quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Memórias de fim de ano


E depois de 20 anos quem diria que eu estaria sentada do lado do Grinch odiando o Natal.

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Morávamos num sítio bem longe da cidade.
Nosso terreno era fruto da colonização japonesa do pós-guerra. Meu avô tinha sobrevivido a 2 guerra mundial e minha vó tinha vindo com ele grávida de meu pai para o que chamavam de um lugar melhor pra viver.
Nossa casa foi construída pelo meu avô materno que era também pedreiro além de tantas coisas que já foi na vida. Era de alvenaria e ficava em frente a casa de meu avô paterno de modo que o caminho se bifurcava entre as duas casa formando um T, onde a minha casa era a da direita.

Era engraçado como aquele simples caminho que se seguido como uma linha imaginária, dividia duas casas tão diferentes.

Mesmo minha mãe sendo brasileira fomos criados numa educação oriental, valorizando a honra do nome da família. Mas quando chegava o Natal, a diferença entre as duas etnias eram gritantes.
Minha mãe sempre preservou a união e o amor entre a família. O Natal naquela época era realmente o que se chamava de Natal, podia-se se sentir no cheiro do ar, no clima da casa, nos olhares. Posso até suspirar com as lembranças. Não éramos uma família rica, mas também nunca passamos fome. Tínhamos nossas dificuldades, e nós filhos nunca questionamos a falta de um papai noel ou de um presente de verdade. Acordávamos cedo no dia 5 de dezembro ainda que fosse chuvoso. Nos vestíamos e tomado café-da-manhã ou não saíamos em busca da nossa árvore, que consistia de uma árvore de galhos secos, já morta, porém com os galos ainda firmes, que seria fincada na terra dentro de uma lata de tinta grande, daquelas Suvinil. Depois de montada posávamos para uma foto na frente da ávore pronta, já que cada ano era uma e única.
Colocávamos as poucas bolinhas e enfeites que tínhamos, muito algodão pra representar a neve além de presentes falsos, caixas de leite e outras embalagens embrulhadas com papéis coloridos.
O resto da decoração da casa era feito com desenhos copiados de revistas que nós mesmo pintávamos e colávamos nos móveis que circundavam a enorme janela da sala. Pra ter noção as cômodas debaixo podiam servir de palco pra enorme janela e sua cortina, enquanto duas colunas se erguiam na lateral da janela e se uniam por uma prateleira logo acima da janela, como se os móveis fossem a moldura da paisagem que a janela apresentava.
Arrumávamos a mesa com melhor toalha e também colocávamos os melhores pratos e talhares todos com uma história de presente de casamento. Usávamos até as taças que eram as meninas dos olhos da mamãe, as de cristal principalmente, que gostávamos de esfregar os dedos na borda pra fazer aquele som agudo. Tomávamos banho vestíamos nossa melhor roupa e ajudávamos mamãe servir o enorme banquete que ela sempre fazia. Agradecíamos a comida e desejávamos coisas boas a nossos parentes que não estavam presentes, a meu pai principalmente. Éramos quem sabe as sete pessoas mais felizes do mundo.

Quando meu tio, irmão mais velho de meu pai casou com uma cearense lá de Crato, as coisas mudaram um pouco. Eles foram morar na casa de meu avô, em frente a nossa e depois de um tempo passamos a comemorar o Natal todos juntos, toda a parte da família japonesa na casa em que viveu meu falecido avô. Ao todo eram quatro famílias. Minha tia que se chama Norma, foi incorporando detalhes ocidentais àquela casa da frente. Depois de um tempo as decoração de Natal foram melhorando nas duas casas, compramos nossa árvore de Natal e em cada porta da casa haviam enfeites nos batentes. Passamos a montar churrascos e a mesa de ping-pong e jogávamos até altas horas, bebendo refrigerante e conversando. Quando alguém ganhava um novo console ou novos jogos nós jogávamos antes e depois de comer até que meus tios viessem e levassem praticamente obrigados, meus primos. E quando não tinha video-game ou ping-pong nos contentávamos em estourar latas e outras coisas com as bombas que comprávamos na casa de fogos. Em um dos melhores Natais minha tia inventou de jogar bingo valendo prêmios, no qual ganhei uma fita de video-game, e um luzmania (chaveiro que vinha com chicletes e brilhava no escuro).
Meu melhor último Natal foi um pouco antes de nos mudarmos pra cidade. Creio que tinha 12 anos e meu pai e meu irmão mais velho tinham acabado de chegar do Japão. Recebemos presentes, e todas as manhãs era chuvosas e lindas. Ouvíamos os cds de rock do meu irmão mais velho, e jogávamos PS2 e assim foi o mês inteiro. Meu primo e a família dele dormiam na casa da frente que há um tempo havia sido abandonada, de todos fomos os últimos a ir morar na cidade. A nossa casa sempre cheia de toda a família que vinha vê-los, costume quando alguém chegava do Japão. Um dos meus primos chegou a dormir um tempo com a gente lá, posso lembrar deles fazendo montinho no meu irmão mais velho numa manhã. Dias inquestionavelmente felizes. Havia muito tempo a família, não estava tão reunida. O Natal foi no mesmo estilo dos outros, churrasco com comida japonesa e a tia Norma convidou até a família de um vizinho da nova casa na cidade. Lembro-me bem do meu tio, o irmão mais velho de meu pai, apelando no tênis de mesa e tirando todo mundo até cansar e passar a raquete pra alguém. Meus outros tios conversavam nas cadeiras de balanço que outrora foram usadas pelos meus falecidos avós. Meu pai um pouco sem jeito pelo grande tempo que passou ausente ainda pedia que eu sentasse em seu colo, enquanto eu achava que já era grande demais pra essas coisas. Viramos a noite soltamos fogos e todos foram embora na medida em que se cansavam. Aquela também foi a época do melhor ano novo da minha vida. Pra quem antes soltava alguns rojões meu irmão mais velho, o mesmo que saía pra cortar a árvore de natal no meio do mato, comprou os fogos mais bonitos da loja, além das bombinhas convencionais. Quando deu meia-noite todos se abraçaram brindaram e correram pra área limpa que havia na frente da varanda, perto de uma enorme seringueira. Os mais velhos se sentaram na mureta da varanda enquanto os mais novos se preparavam para soltar os primeiros fogos coloridos vistos ao vivo e só pra gente. Tenho certeza que todos guardam nas memórias não só a imagem daqueles lindos fogos, mas todo o sentimento de felicidade paz e amor de toda uma família reunida num simples fim de ano.

Aquela foi a última vez que vi meu pai e meu irmão William.
Já se passaram oito anos.
Os brasileiros começaram a habitar a antes famosa colônia dos japoneses. A família Kawada foi assaltada perto dessa linda época que descrevo acima. O trauma os fez vender uma das casas mais bonitas da colônia e se mudarem para uma bem menor na cidade, onde mal cabia seu piano.
Antes disso um carro roubado foi queimado na estrada que entrava pro portão de nossa casa.
O portão foi pôsto tem pouco. Depois da minha família ser roubada duas vezes, e de termos sofrido assalto em uma de nossas férias.
Pegamos desgosto de nossa terra e nos mudamos pra cidade. Os cachorros não sabemos se sobreviveram e fugiram ou faleceram de solidão. Uma das coisas que mais doeu foi ver alguns deles correr atrás do carro desesperadamente, incansavelmente.
Nenhum caseiro aguentou cuidar de lá por muito tempo. Alegavam medo e solidão.
Nunca mais conseguimos reunir a família daquele jeito.
As crianças cresceram foram fazer faculdade fora, trabalhar, iniciar a construção de uma família.
Os mais velhos ,provavelmente, bebem e comem num gesto mais simbólico do que comemorativo enquanto contam histórias dos filhos e netos ausentes.
Eu, a boba da família, tenho passado o natal em casas estranhas e no fim choro as lágrimas de saudade dos tempos antigos esperando passar pra minha família que há de vir, a felicidade de um fim de ano com todo mundo reunido.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Insuportável cansaço

Irritada.
Acordou sem nem saber se tinha chegado a dormir. A noite que era sua companheira mais doce tornou-se angustiante.
Estava tão cansada.
3 dias de fim de ano extremamente cansativos.
No primeiro cobriu a escrivaninha e a almofada de lágrimas.
No segundo além das lágrimas vieram a ressaca matutina de bebidas que não tinha bebido e imoralidades que não tinha cometido.
No terceiro vieram os pesadelos vivos e as fortes enxaquecas.
Corpo e alma precisando terminar mais um ciclo como uma fênix de água, metáfora que ela amava de coração. Não aguentava mais um dia naquele ano que ela tanto pediu que passasse.
Precisava se renovar. Precisava deixar corpo, coração e alma morrerem para nascer de novo como sempre fazia mas dessa vez parecia que não conseguia. Seu coração relutava em viver, em acreditar, enquanto o corpo todo pedia deixe-me ir eu não aguento mais tantas flagelações.
Estava com medo. Sabia que quando até o coração da fênix virava cinzas mais difícil era pra ela renascer, seu coração poderia petrificar e não era isso o que ela queria. Não que ela quisesse a dor, ela só queria ter certeza de que poderia renascer normalmente.
Odiava quando ouvia "Você não é mais a mesma.", porque sempre se renovava ao ponto de nem saber quem tinha sido e, não sabendo como poderia melhorar se não sabia o que fora? E se não houvera sido melhor porque o pesar na frase?
Estava tão cansada que nem conseguia mais fingir sorrisos, gentilezas e educação. Era quando começava a se isolar de tudo. "Uma vez tão bela pelo meu sorriso porque hei de mostrar a eles tanta armagura, tanta insatisfação em lábios que involuntariamente se curvam pra baixo, cansaço em olheiras profundas, e tristeza em olhos inchados?"
Pros mais íntimos conseguia dizer simplesmente : "Não estou bem." Esperando ouvir sempre as mesmas palavras consoladoras, quando na verdade desejava o toque de um abraço quente e silencioso.
Pra família, desligava a luz e fingia dormir pra esconder as lágrimas. Passava a maior parte do tempo no quarto recusando os convites pra sair. Se movimentava quando havia pouca gente na sala. Mas ainda buscava um pouco de aconchego conversando sobre assuntos banais e sentando do lado para olhar a tela da TV com olhos vazios.
Pro sorriso infantil que a acordava todas as manhãs ela agradecia uma pequena grande razão pra continuar a viver.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Starry Starry Night- uma canção e uma prece.

Eu poderia escrever esta história de várias maneiras, misturando realidade e fantasia num belo conto. Porém limitar-me-ei a descrever parte de minhas memórias, que também não chegam perto da realidade em virtude da humanidade que reside em mim, ela e suas belas falhas.

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Não lembrarei o dia nem o tempo, mas com certeza foi numa madrugada que nos falamos pela primeira vez.Conversávamos sobre tudo e nada. Estávamos nos conhecendo afinal. Ele não tinha foto ah não ser uma muito antiga do snoopy, dizia que não conseguia não sair bobo em uma foto. Gostava de sorrisos, era ateu e tinha um ar de gostar de chocar as pessoas com seus comentários ou exibindo rapidamente uma foto de um terapia freudiana para tratar a histeria das mulheres. Era engraçado, curioso e direto, além de inteligente. E isso me atraía, porque alguém assim não se limita a ser só isso. Como no oceano, eu queria ver o que tinha abaixo da superfície.
Conversando sobre crenças ele disse algo como Deus ser injusto por ter levado um amor seu. Disse que eu podia perguntar o que era que ele não tinha problemas em falar sobre, mas eu preferi deixar essas coisas com o tempo.
Quando fui realmente conhecendo ele vi que vivia sobre a trilha sonora de Wolfsheim que dizia: "Calm down my heart don't beat so fast, don't be afraid just once in a lifetime." Com uma mágoa do mundo que ele já não podia conter, como aquelas pessoas que por sofrerem demais com seus corações passam a andar envergados segurando o peito. Eu me perguntava se aquilo ainda eram pela mágoas do passado.

O tempo passou eu fui me envolvendo como quem bebe e se deixa levar pela música num fim de festa. Ele não me dava muita atenção, e sempre que podia deixava claro os empecilhos de uma relação entre nós.
Hoje olhando eu não me lembro quando foi e nem porque foi que ele passou a me dar algum tempo de seus dias. Todavia me lembro bem quando pedi que descrevesse o que sentia por mim e ele disse que não era algo para se descrever e sim bom de se sentir. Foi uma bela noite. Talvez a mais bela de todas ao ponto de que a minha mente chega a duvidar se realmente aconteceu ou se sonhei.
No outro dia nem nos falamos direito. Sabíamos as implicações de tudo aquilo e a última coisa que queríamos era nos machucar. O que me fez lembrar dele num show em que o artista disse algo como: " E hoje desse amor não mais me livro, pois tal sentimento em mim virou amizade ao ponto que agora esse amor é infindo."

Na verdade eu já me machucava há um tempo. Não por ciúmes nem pela impossibilidade do relacionamento, mas sobre como ele ficava depois. 25 anos e nenhum mulher que o tivesse feito dignamente feliz. O que me machucava era a total impotência que eu sentia de ver uma por uma levar um pedaço daquele coração que eu tanto queria zelar. Era como sereias, iludiam com belos cantos, enebriavam com suas belezas e no fim eu além de ver todo aquele ritual o via tentando respirar com os pulmões cheios d'água. Sobrevivendo por um fio, mais pelo medo da morte do que pela vontade de viver. E quando voltava já não era mais o mesmo. Não parecia ser. Era mais cuidadoso, mais frio e desacreditado. E aquilo me matava de uma forma...Quase no patamar da saudade a impotência é um sentimento extremamente cruel.
Ninguém diria que aquela cicatriz no esterno de uma doença de infância no coração, cobria dores ainda maiores do mesmo órgão.

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Nossa conexão sempre foi incrivelmente boa. Nossa relação era como uma dança que eu me recusava a assistir quando outra dançarina ocupava o meu lugar. Eu me afastava, ele se afastava, por nos gostarmos demais evitávamos nos maltratar. E ainda assim nos machucávamos.
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A verdade é que hoje ando cheia das verdades.
Talvez eu tenho acordado ontem desses sonhos e pesadelos... que eu finalmente vi que ele nunca me amou e que eu nem sei o que eu fui pra ele. E que eu jamais saberia lidar com tanta dor de vê-lo tentar esconder um coração do qual mal restaram pedaços.
Nunca os dias foram tão irritantemente brilhantes agora que consigo enxergar, assim como aquela cama num canto, no escuro jamais tinha sido tão aconchegante.
E eu passarei dias a ouvir Starry Starry Night (8) enfatizando as partes grifadas, sendo as duas primeiras frases pra mim e as duas outras pra ele.



Starry, starry night
Paint your palette blue and grey
Look out on a summer's day
With eyes that know the darkness in my soul
Shadows on the hills
Sketch the trees and daffodils
Catch the breeze and the winter chills
In colours on the snowy linen land

Now I understand
What you tried to say to me
And how you suffered for your sanity
And how you tried to set them free
They would not listen
They did not know how
Perhaps they'll listen now

Starry, starry night
Flaming flowers that brightly blaze
Swirling clouds and violet haze
Reflect in Vincent's eyes of china blue
Colours changing hue
Morning fields of amber grain
Weathered faces lined in pain
Are soothed beneath the artists' loving hand

Now I understand
What you tried to say to me
And how you suffered for your sanity
And how you tried to set them free
They would not listen
They did not know how
Perhaps they'll listen now

For they could not love you (Pois eles não podiam te amar)
But still your love was true(Mas ainda assim seu amor era verdadeiro)
And when no hope was left inside
On that starry, starry night
You took your life as lovers often do
But I could have told you Vincent (Mas eu poderia ter-lhe dito,)
This world was never meant for one as beautiful as you (Esse mundo nunca foi feito para alguém tão bonito como você)

Like the strangers that you've met
The ragged men in ragged clothes
The silver thorn of bloody rose
Lie crushed and broken on the virgin snow

Now I think I know
What you tried to say to me
And how you suffered for your sanity
And how you tried to set them free
They would not listen
They're not listening still
Perhaps they never will...
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Minhas últimas verdades são que eu o amei com todas as palavras que o Amor há de usar para se descrever. E que hoje eu só teria dois pedidos: me livrar dessas dores, dessa desconfiança e descrença no Amor, de todo esse medo de abrir o coração e um dia não restar mais pedaços dele, nem o suficiente pra continuar a viver. E o outro é que agora que ele sabe, como eu sempre achei que soubesse, eu queria que ele não fosse embora ou que eu tivesse força pra ficar.

Pros curiosos hoje ele está sob a trilha sonora de Tais toi mon coeur.

O mundo é realmente muito injusto.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Sobre a solidão

Pensei em escrever esse texto em parceria. Mas a idéia de um solo me foi mais fiel e agradável.
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Um dos maiores, talvez o maior enigma do universo, seja o surgimento da vida. Um corpo não existe antes de uma forma pré-existente. Das esponjas que brotam umas em cima das outras, das bactérias que se dividem em duas, dos seres que se reproduzem sexuadamente ou até mesmo da parternogênese dos zangões todos necessitaram de pedaços de outro ser. Fico imaginando se é essa a raiz da solidão, a necessidade de ter sempre um outro que justifique a nossa existência.
Não que todos os seres vivos que habitem juntos em corais, colônias ou outros aglomerados tenham a consciência do que é estar só, e reajam a isso. A solidão como a reação angustiante de estar longe ou ser incompatível com outros seres, só aparece nos vertebrados, como um paradoxo evolutivo. No caminhar da evolução dos peixes aos mamíferos, somente estes tem realmente a consciência da solidão, desfrutando da inteligência com a aquisição da consciência assim como do mal da solidão, duas coisas que aumentam numa escala dos cachorros aos homens.
Tragicômico.
Quanto mais desenvolvidos e inteligentes mais narcísicos e sofredores. Não digo isso apenas no sentido evolutivo entre diferentes espécies digo na própria espécie mesmo, porque aqueles que se arriscam a pensar e a buscar um sentido que não seja a ideologia das massas, são os únicos que sofrem por ter consciência. O resto pode viver muito bem das conveniências, das alienações, da mediocridade e conformismo. É como se as massas se contagiassem com a cegueira branca de Saramago e simplismente não se importassem, enquanto uma minoria é representada pela mulher do médico que vendo é a única que tem a real consciência do caos que a cidade e a vida dos cegos se tornou com o mal branco.
Descrevendo deste modo há quem pense onde estaria a solidão se o mundo se divide em dois grupos, e estar em grupo é estar junto.
Continuem com a metáfora dos cegos de Saramago. O primeiro grupo, das massas, caminham em toda a cidade em busca de comida se segurando uns aos braços dos outros numa espécie de fila indiana. Eles são dependentes e isso os faz crer que não estão sós. Se preferir imagine uma fila de aleijados que usam uns aos outros como muletas. É exatamente como a maioria funciona. Se apegam a relacionamentos fracassados, mantém famílias usando os filhos como desculpa quando têm medo de estar só. Se agarram a deuses e crenças na busca de preencher o vazio alegando que deus está em seu coração, quando muitas vezes se ajoelham chorando não na busca de suas preces serem ouvidas mas no desespero de que exista um ser superior algo que explique tudo isso. E às vezes ela encontram. Não um Deus, mas uma fé profunda e cega que acalma qualquer busca de conhecimento que o liberte desta calmaria.
O outro grupo não chega a ser um cardume como o restante da população. São pessoas que por verem, no sentido de visão absoluta, acabam se afastando das demais por se recusar a pertencer a uma massa de alienação. Formam grupos menores, mas não chegam a saciar completamente a sensação de solidão que encontram ao se dar conta de que o nascimento e a morte são atos solitários, monólogos vez ou outra interrompidos por duetos ou peças inteiras que darão pequenas doses de prazer, assim como alguns efeitos de luz e cenário. É talvez como olhar a beira de uma praia deserta, vez ou outra aparece um visitante pra ilustrar a paisagem, você pode chamar uns poucos amigos ou até trazer sua família para vê-la, mas a maior parte do tempo é um solo. Você e a profundidade da paisagem.
Maior que essa visão só olhando para um céu de interior, onde não há poluição e se pode ver as milhares de estrelas no céu e deixar sua mente se levar pelo êxtase da grandiosidade desse imenso universo.
Não há como não se sentir só.
E não adiantaria alegar vida extraterrena para se sentir acompanhado, ou usar drogas e álcool para ignorar o vazio que a sua mente ousa questionar. Porque nós sabemos que a solidão é um fato, não uma questão de escolha como muitos dizem. Podemos controlar a duração da peça encurtando-a, mas jamais saberemos quanto durarão os solos.

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Me disseram que solidão é uma lição da vida que uns aprendem melhor que os outros.
Pra mim é somente um aprendizado que jamais aprenderemos.

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No meio da peça nosso monólogo sempre se transformará num dueto ou musical inteiro ao qual a gente se apegará, é o "ser alguém pra alguém", e depois disso jamais nos contentaremos a ser ninguém de novo.

domingo, 29 de agosto de 2010

Um só mundo

Se conheceram quando ainda eram crianças.
Foi num dia chuvoso, ela se lembra bem. Estava com o rostinho grudado na janela da sala olhando pro quintal, vendo aquela chuva forte sobre o seu jardim e olhando de vez em quando a rua como quem esperasse um homem com um guarda-chuva cantarolando aparecer a qualquer momento pra animar tão entediante noite.
Sua casa ficava na intersecção de duas ruas fim de uma começo da outra. Morava num dos cantos da cidade, ou num dos cantos do fim do mundo como sua avó dizia. Estava quase dormindo encostada naquele vidro tão geladinho quando notou algo luminoso se aproximando devagar, esfregou os olhos para ver melhor e viu que era um carro, mas estava lento demais. Talvez o motorista esteja com medo da chuva ela pensou, mas antes que pudesse concluir o carro, depois de balançar como se estivesse engasgado, estancou bem na curva de sua casa. A chuva tinha diminuído um pouco e ela conseguiu ver um menino com o a cara grudada no vidro olhando pra ela com um ar curioso. Havia mais duas pessoas na frente que ela imaginava ser os pais, eles pareciam discutir com uma cara meio assustada. Talvez precisassem de ajuda. Ia chamar os pais, mas quando olhou pra trás seu pai a ergueu no colo pra ir pra cama. Ela espernoou berrando ao pai sobre o carro, ele a devolveu e deu uma olhada para a rua. Mandou a mulher trazer a capa de chuva e guarda-chuvas e foi ver se as pessoas ali precisavam de alguma ajuda.
Alguns minutos depois a família já estava toda dentro da casa. Vinham de um passeio quando a chuva mais os buracos da estrada fizeram com que água entrasse no escapamento. Os homens tentaram arrumar enquanto as mães papeavam e as crianças se encaravam, mas a chuva voltou a piorar e os donos da casa ofereceram hospedagem até tudo melhorar.
Eram famílias completamente diferentes uma humilde que morava no canto do fim do mundo e uma nobre que morava na casa mais bonita da cidade, que por ordem de contato máximo teriam apenas os raros cumprimentos triviais lançados pelos bons costumes. Naquela noite porém, ambas estavam encantadas, uma com a hospitalidade dos desconhecidos e a outra com a humildade e simpatia das visitas. Poderia ter sido só uma noite ruim e de estranhamentos, mas o som que os sorrisos das crianças faziam antes de dormir já mostrava as muitas risadas que ainda viriam.

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O tempo passou as visitas continuaram, os vizinhos estranhavam, e as risadas aumentaram, mas com elas também aprenderam a compartilhar a dor de como quando o pai de Lili morreu. Ela adorava ele mais que a mãe, não que a mãe fosse ruim mas é que o pai era de uma visão quixotesca e isso a encantava mais que tudo. Era ele quem levava ela ao sítio quando era criança, depois de um tempo ela passou a levar o novo amigo junto. Eles brincavam o dia inteiro, escolhendo pra cada dia uma profissão. Quando perguntavam o que queriam ser eles diziam tudo que fomos no mês passado e que seremos no mês que vem e caíam na risada. Era uma energia que não acabava nunca, iam de pianistas a cientistas, atrizes e cineastas a astronautas. Até que o pai de Lili morreu e ela perdeu um pouco do brilho que carregava quando rodopiava ao vento no jardim. Demorou um tempo pra se recuperar, mas em nenhum momento negou a companhia de Carlos. Às vezes passavam horas em silêncio olhando as estrelas como se estivessem esperando algo mais, ou até mesmo o jardim ou o nada. Queriam um sinal pra reviver as alegrias de antes.
Lili voltou a ser ela num dia de março e ninguém a não ser ela sabe o como e o porquê. Ainda tinha os mesmos sonhos e o mesmo companheiro para realizá-los. Mais crescidos aprenderam muito com a companhia do outro, ela lhe ensinou sobre jardinagem, e ele sobre insetos, e quando compartilhar dons não funcionava sorriam e batiam palma admirando um ao outro. Ainda viam as estrelas juntos e agora ouviam e dançavam com o LP do pai de Carlos escondidos.
Não namoraram, não foram amantes nem nada do tipo. Se afastaram antes que algo assim acontecesse. Não foi porque a mãe mandou ou porque eles achavam melhor, pra eles eles eram mais iguais que qualquer um, faziam parte do mesmo mundo. O que aconteceram foram os outros. Os outros diziam que um menino impecável que vestia gravata borboleta no baile, não podia passar o fim de semana rolando na grama e vendo estrelas com a menina que ainda morava no canto e vestia um vestido feito pela sua mãe.
Fugiam, ignoravam, respondiam de modo mal criado.
Até que de tanto falarem o problema entrou neles. O menino nobre foi visto beijando a menina mais formosa da festa. A menina foi barrada confundida com uma penetra, e foi pra casa derramando lágrimas enquanto seus pensamentos se envenenavam com lembranças do passado. Lembrava do primeiro dia dele indo no sítio de sapato e ela o fazendo tirar pra correrem mais rápido. Dela chamando ele de pinguim em sua festa de aniversário onde vestia um terninho quente pra dedéu que ela fez ele tirar em 5 minutos depois de chegar pra poderem aprontar com os convidados. De quando ele viajava de férias de carro. Não eram lembranças malditas nem dolorosas, mas com o véu da raiva adquiriram outro significado. De como sempre foram diferentes.
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E assim o problema chamado preconceito afastou dois companheiros. Ela fugiu dele por um tempo até que ele foi estudar na capital. Um pouco depois ela foi pra outro estado ser ao menos um por cento de tudo que havia planejado com ele. Depois de um tempo voltaram a se falar tão inexplicável como quando se conheceram. Estavam mais maduros e ainda eram os mesmos. Mais que amantes, confidentes, namorados, eram belos companheiros. Amadureceram para ver que nunca fizeram partes de mundo diferentes, foi o que ela disse quando se deitou pra rir depois de uma conversa com ele desligando o celular para pessoas de mundos realmente diferentes.

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O que me afasta é tudo que você coloca entre mim e você.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

sábado, 3 de julho de 2010

Perdas e Ganhos

E quando eu vi que estava só perguntei a ele onde foi que ele se perdeu de mim.
Ele disse que tinha sido no dia que eu resolvi construir uma muralha entre ele e o que se passava comigo.
E eu respondi que tudo que tinha feito tinha sido pra proteger ele, proteger do meu discurso venenoso cheio de rancor. Que ele sabia que exisitia quando uma vez sabiamente disse, Vê se não vai afastar todo mundo com esses seu espinhos, e aquilo machucou.
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Perdi outros porque não sabia as horas. Nunca soube a hora ao certo de dedicar a importância a alguém, de fazer um agradecimento que satisfizesse, de como dar um abraço sem parecer estranha, ou como dizer algo sem parecer ridícula.
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Ah aquela muralha... perdi muitos por causa dela. Porque um dia todos se cansam de esperar que o portão se abaixe num convite de entrada. Porque um dia todo mundo cansa de um coração de erros tão conhecidos.
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Perdi uns tantos porque os achava prepotentes. Exigiam de mim tudo que sempre fiz de bom grado, de graça, pelo simples prazer. E eu sou teimosa nunca fui boa com regras e contratos.
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Ganhei uns. Engraçados até. Fiéis e insistentes. Charmosos, Revolucionários, Românticos e irreverentes. Se estarão comigo até o fim? Torço pra não perder estes.

Meu medo


Não é cortar os pulsos, é ter vontade de costurá-los depois.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

terça-feira, 29 de junho de 2010

O amor ...



tem que ser uma rodovia federal de mão dupla: os carros devem fluir pelos dois lados mesmo com os riscos, mortos e feridos.

domingo, 27 de junho de 2010

A mentira...


é o vibrar de cordas vocais que quer convencer o cérebro mas que quando descoberta só atinge o coração.

Antes...


de entrar no amor a gente enxerga uma linha entre o racional e o ridículo. Depois disso.. sobre o que que eu tava falando mesmo?

Sou...


poesia, prosa, poema, o que você quiser, mas queria ser romance de um só bem me quer.

O amor..



não é difícil de ler aos olhos de quem o sabe ver, com o coração.

Pobres



são aqueles que não tem revoluções pra passar pelo coração. Ou não tem mais coração pra que se passe a revolução.

Dedicado ao revoltado de hoje.

Escolha



Só uma escolha: jogar fora toda dor que já não cabe em mim ou arrancar partes de mim pra arranjar mais espaço pra ela.

E o que me afoga....


Hoje, é a falta do teu afago.

domingo, 6 de junho de 2010

Ela e o Amor

Ela costumava usar muito a palavra se não como um pronome condicional mas como uma justificativa fatal, porque todos se calavam quando ela o usava.
Se hoje estou em torpor é porque ontem a dor era demais.

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Se lembra até hoje do nome do primeiro menino pelo qual se apaixonou. Era um meio loiro que jogava queimada com ela, mas que só tinha olhos pra menina mais bonita da sala da qual ela também ainda lembrava o nome.

Lembrava das conversas de família sobre relacionamentos e gostava de comparar com o presente. A irmã mais velha, que tinha a idade mais próxima à sua, dizia que não se casaria e não teria filhos, já ela mesma queria ter um marido, e pelo menos dois filhos. Achava graça que as coisas em parte tivessem se invertido, assim como achava graça ainda acreditar em amor pra sempre.

Ao analisar a família se pegava vendo os irmãos mais velhos casados com seus primeiros amores.
Ao analisar a si mesma via que ainda desejava um marido, dois filhos, uma casa de dois andares, um jardim enorme, um companheirismo manifesto em amor eterno em todas as pequenas coisas da casinha, do jeitinho dos dois, e às vezes chorava.

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Agora ela estava só e lembrava apenas em fragmentos de todos os amores que já teve. Lembrava de todas as lágrimas que derramara, e de tudo que ainda não aprendera. Às vezes se perguntava se alguém realmente aprendia algo, e que, se assim fosse, quanto mais ainda ela iria chorar pra poder aprender o que ela não conseguia ver.
Era uma curiosa insaciável, lia dos mais variados livros e pesquisas mas ainda assim nada de novo aprendia.
Desejava ao menos ter aprendido das Artes que tanto amava, porque ao menos assim ela poderia expressar toda a dor que sentia, que a obrigava a fugir em um torpor que ela não mais queria.
Não queria desperdiçar tão lindo sonho.
Não queria ter de se sentir viva através de uma dor.

Queria só poder um dia andar junto e sem doloridas lágrimas, Ela e o Amor.

domingo, 23 de maio de 2010

Cansou


Nasceu, sentou, andou, correu, envergou e cansou...
Sentou-se no banco da praça na beira da praia, fechou os olhos e deixou as lembranças lhe tomarem.
Pensou em todas as preocupações que carregava e das quais foi desistindo ao longo do caminho.
Lembrou das besteiras que falava, do jeito como gritava e das mentiras furiosas e verdades dolorosas que proferia.
Riu sozinho. Tinha coisas boas pra lembrar, histórias mil pra contar.
Não chorou, mas fechou a boca em uma linha como se confirmasse experiências sofridas mas necessárias para seu crescimento.
Uma parte de si lamentou. Como podia tudo ter passado tão rápido.
Outra parte de si se regozijou, tinha feito o que lhe parecia correto. Tinha acertado, tinha errado, tinha aprendido ou não.
Nada ia mudar agora.
Estava cansado.
Cansado demais para reinvindicar, lutar, reclamar e chorar. Só tinha forças pra sentar no banco da praça e se lembrar do que um dia teriam sido os verbos amar, saudar, sofrer e caminhar.
Não estava alegre ou triste.
Era como se tivesse parado no tempo pra observar os outros ou ele mesmo.
Se sentia apenas um velho, com pena dos que alma velha têm sem nem tentar viver.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Amor [2] - um quadro perfeito.

Ela acordou feliz. Tinha sonhado com ele, além disso era sábado, o dia tão esperado. Foi quando ela viu o computador e o celular descarregado e se sentiu muito culpada. Imaginou se ele teria ligado muitas vezes, ou esperado muito tempo no msn. E correu para o telefone fixo. Esperava realmente que ele não atendesse tão irritado e aceita-se suas sinceras desculpas.
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Acordou com o barulho do telefone. Estava irritado. Estava sonhando aqueles sonhos dos quais não gostaria de acordar nunca e mesmo assim atendeu, porque podia ser ela. Ouviu suas desculpas cheias de amor, contou sobre o dia anterior e perguntou sobre a tal surpresa tão esperada do dia. Deu aquela risada gostosa que ela adorava ouvir e foi sorrindo tomar seu banho com a preguiça da manhã, cantarolando como no dia anterior.

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Desligou o telefone, e pulava de alegria. Pôs uma música no computador e foi arrumar a casa, numa felicidade que encantava quem a avistasse pela janela. Organizou as telas as tintas e os pincéis na sala. Saiu pra comprar comida e outras necessidades da casa. Voltou ,olhou o relógio e comeu apressadamente, pois ele ia chegar e ela precisava tomar banho e conferir se tudo estava perfeito de novo, paranóia de mulher.

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Terminou o banho feliz. Se vestiu com uma roupa qualquer e foi almoçar. Satisfeito com o resto do dia que o esperava decidiu se trocar. Foi pro guarda-roupa e vestiu a camisa azul preferida de ambos. Escolheu uma bermuda de cor clara pra combinar, e foi se olhar no espelho. Se perfumou, passou um gel, conferiu no espelho de novo e saiu. Pegou um táxi e perguntou-se se estaria parecendo um feliz abobalhado. Tentava imaginar as surpresas e se perguntava também se algum dia teria sido tão feliz. Parou na floricultura pra levar-lhe flores, imaginando seu sorriso e como ela o elogiava por isso. Estava ansioso.

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Saiu e pegou o relógio. Torceu para que ele se atrasasse e foi escolher uma roupa, imaginando como era difícil escolher uma roupa que não a deixasse bonita demais para estar em casa.Demorou mas acabou optando por um vestido. Era leve, colorido e acentuava suas curvas de modo sutil. Foi conferir tudo de novo. Voltou ao quarto para se perfumar. Olhava-se no espelho fazendo mil penteados diferentes, todos ruins. Imaginava que gostaria de ser tranquila como ele aparentava. Ouviu um barulho de carro estacionando e uma porta batendo. Se olhou no espelho, soltou o cabelo e foi correndo até ele.

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Desceu do táxi, pagou o motorista e quando menos esperava viu-a se jogar em seus braços. Soltou aquela risada estrambólica e encheu-a de beijos entregando as margaridas. Se sentia realmente importante e invejado com todos aqueles olhares curiosos da rua. Era definitivamente um homem feliz.

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Agora sim estava radiante. Levou-o até a porta e pediu que esperasse. Foi buscar uma venda já que ele era bem maior que ela e ela não ia conseguir vendar seus olhos com as próprias mãos e aproveitou pra pôr as flores na mesa de centro. Vendou-o e o fez entrar. Sentou-o no sofá de frente pros materiais de pintura.

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Ele estava curioso.Vendado tentou adivinhar algo pelo cheiro do ar, mas como era tudo desconhecido ali procurou relaxar. Sentou-se no sofá e ao abrir novamente os olhos se deparou com materiais de pintura. Ficou mais curioso ainda e com seu bom humor disse: "- Essa é a parte que você tira a roupa e eu te desenho de dois ângulos diferentes?"

Ela riu e respondeu:
"-Não seu bobo. É que eu pensei, como somos amantes da pintura, nada melhor que cada um ganhar um quadro feito do outro. Você não precisa me desenhar, nem me agradar é só pintar."

Ela dividiu os materiais e foi pro outro lado da sala começar sua obra.Iniciou sua pintura de pronto. Como a idéia tinha sido dela é óbvio que ela já tinha pensado no que fazer. Usava todas as cores tentando não ser perfeccionista demais dessa vez.

Ele ficou pensativo. Desfrutava de um vórtex de lembranças em sua mente, com os mais variados sentimentos. Os sonhos, os beijos, os carinhos, os gostos dela... dominavam sua mente. Acabou por usar só a tinta preta.


Demoraram horas. Mas terminaram praticamente juntos.

Ela mostrou sua obra primeiro. Era um casal de velhinhos vistos de uma janela.Eles estavam de mãos dadas e sentavam perto de umas flores, na varanda de uma casa de madeira, vendo um pôr-do-sol no mar. Ela chamou o quadro de futuro.

Ele sorriu e disse:
"- Incrivelmente você continua desenhando e pintando melhor que eu e meus bonequinhos de palitos."

Ela riu e pediu pra ver o quadro dele. Ele colocou na mesa de centro ao lado das flores que havia dado. Era todo preto, a não ser por uma porta branca que se sobressaltava no meio da pintura.

Ela sentou no colo dele e disse:
"-Me sinto... Ahnnn... Quadrada."

Ele beijou sua cabeça carinhosamente e disse:
"-Boba. Antes de te conhecer, passei por muitas decepções. Cheguei a acreditar que estava desgraçado a ter uma vida de coração destroçado. Por mais que eu me encantasse, quanto eu mais parecia estar perto de ser feliz eu voltava a escuridão. Cheguei a ter até mesmo dias de insônia em que procurava a claridade da lua para que não me sentisse tão só e infeliz. Quando você apareceu me enchi de expectativas e medo. Desejaria a morte do que estar tão perto de ser feliz e cair como Ícaro de novo. Estava cansado. Você pra mim é tudo que está por trás daquela porta, atrás da escuridão. Me pergunto sempre se já fui tão feliz quanto quando estou com você. Me pergunto se suportarei voltar à escuridão de novo."

Ela estava com os olhos cheios d'água e o almadiçoou por ainda ser melhor com as palavras do que ela, enchendo-o de beijos em seguida. Foi o primeiro dia em que eles se pertenceram de corpo e alma. Foi o primeiro dia em que as cores se misturaram de verdade, a alegria radiante dela penetrou na alma dele assim como o preto e branco clássico dele faziam agora parte essencial dela.

E isso era o que as pessoas desde tempos imemoriais chamavam de Amor.

terça-feira, 4 de maio de 2010

O Amor [1]

Eram aquelas sextas-feiras em que você fica ansioso para que cheguem logo, mas que quando chegam parecem o dia de Murphy. Ele tinha vontade de explodir a professora e mais da metade da sala, e achava que ninguém no mundo estaria naquela hora com mais ódio no coração que ele. Estava realmente exausto, mas sabia que era só uma questão de chegar em casa, jogar os livros, tomar um banho, comer os amendoins que eram a cara dela para enfim ligá-la.

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Ela estava realmente feliz. Não que as coisas estivessem perfeitas para que ela assim estivesse, mas era como a mãe dela dizia: "Você nasceu meio-dia menina. Quando o sol estava no ponto mais alto do céu, e assim como ele você tem um brilho que só ele tem." Ela era assim, carregava um brilho uma vontade de viver que só o sol explicaria. Desfrutava de um cansaço feliz ao caminhar de volta para casa com duas telas e uma sacola com bisnagas, tintas e pincéis.
Caminhava para casa usando sempre o mesmo caminho para poder ver um jardim de girassóis que eram a cara dele, ou melhor, o sorriso dele.

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Chegou em casa, jogou os livros, tirou a roupa e foi pro banheiro numa pressa de homem. Cantarolava como o famoso filme do homem cantando na chuva. Se acalmou, era capaz de esboçar um sorriso agora. Ligou o computador pensando se ela estaria on naquela hora, e foi pra cozinha preparar algo pra comer. Pensava que há uns meses atrás ele estaria bem mais nervoso. Como no dia em que a conheceu.
Estava realmente nervoso, suas mãos suavam e sentia um frio no estômago absurdo, não que ele não gostasse daquilo mas é que era orgulhoso demais para deixar que ela percebesse. Ela era bela. Tinha um corpo de violino, quadris largos, cintura fina e seios pequenos proporcionais ao seu tamanho.Combinaram de se ver à beira-mar, nada demais uma caminhada, um sorvete e uma boa conversa. Seu cabelo comprido esvoaçava no vento, quando ele a viu. Ela estava de olhos fechados, inspirando fundo o que de lembrar provoca nele profundos sorrisos.

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Enquanto ela admirava os belos girassóis começou a ventar. Ela fechou os olhos pra inspirar profundamente, era algo que fazia desde criança por ter morado perto dos campos onde o ar era puro de verdade. Além disso ela lembrava dele. Da primeira vez que o encontrou ele a olhava com curiosidade, como ela já sabia que faria. "Maldito observador, não sou seu rato de laboratório.", ela dizia. Não era o homem mais belo do mundo, mas seu sorriso compensava. Era alto, com bom porte físico e usava cores claras que combinavam com o tom de sua pele. Foi um belo encontro. Quando os dois põem-se a se lembrar, ele diz orgulhosamente que ela estava inspirando fundo pra se livrar do nervosismo que ele causava. Já ela ri, e diz que pelo atraso dele, o maldito observador estava tão nervoso que demorou meia hora pra criar coragem e ir falar com a mulher que invadiria seus pensamentos e todas as outras partes de seu corpo.

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Levou a comida para a frente do computador. Ela não estava on, resolveu deixar status ausente para evitar conversas vazias. Pegou o telefone e foi ligar pra ela. Ela não estava em casa. Pensou onde ela estaria àquela hora e foi ligar pro celular. Estava desligado. Ficou frustrado e irritado, como sempre. Resolveu ajeitar algumas coisas e esperar.

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Chegou em casa ofegante e um pouco molhada da chuva, da qual corria para não molhar seus materiais. Ainda assim sorria. Deixou as coisas na mesa e as telas para secar para a surpresa do dia seguinte. Foi tomar um banho com a preguiça de uma mulher, colocando antes uma música para tocar. Se arrumou com sua camisola confortável, comeu alguma coisa enquanto ligava o computador e organizava seus materiais de faculdade. Olhou para a sua cama e não resistiu, resolveu deitar e cheirar o Snoopy que tinha o perfume dele. Fechou os olhos pra imaginar melhor e acabou por pegar no sono, esquecendo do computador ligado, do celular descarregado e de todo o trabalho sempre acumulado.

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Cansou. Ligou mais vezes pra ela, esperou o tempo todo na internet e ela não apareceu. Se perguntou seriamente o que teria acontecido. No auge do cansaço acabou por dormir irritado, pensando na tal surpresa da qual ela falava pro dia seguinte. Esperava ao menos sonhar que seus cheiros um dia estariam na mesma cama.

sábado, 1 de maio de 2010

Insanidade

No começo você era meio semiótica.
Após algumas observações você se tornou uma obra peculiar, como os girassóis de Van Gogh.
Com as catarses foi tornando-se química. Os meus neurônios sentindo boas sensações por sinapses químicas, que meu encéfalo desejava ser intermináveis utilizando-se da minha memória nas noites, para que tal êxtase se repetisse.
Sem a física você passou a ser fisiologia. Meu coração palpitava só de te ver, antes disso era acometida de crises de ansiedade. Era uma alegria de um nervoso incontrolável. Com certas lembranças podia sentir até mesmo meu rosto se ruborizar, ou um sorriso sem graça se formar, além dos suspiros que vivia a soltar.
Consegui que me visse como fisiologia e química também com um desejo físico quase incontrolável.
Meu vício aumentou. Eram dias seguidos, esforços imensos para provar dessas doses, não necessariamente em doses maiores, mas em doses homeopáticas para toda a vida.
Mas foi aí que você encontrou uma nova droga.

E eu me tornei insanidade. Meu nervosismo agora é constante intercalado por períodos de frieza. Tenho surtos de ansiedade e tornados de pensamentos. Uma crise de abstinência absurda, com desejos paradoxais devido a um conflito da existência do outro em mim. Milhares de perguntas sobre meus sentidos, não consigo confiar em minha própria memória, se os meus olhos realmente tinham visto aquele belo oásis se é que aquilo era mesmo um Oásis. Me iludi sozinha? Ouvi mesmo só o que queria? O que há de errado, está errado em mim ou no outro? Adianta saber?

E como uma flecha inesperada atingindo o coração eu parei.. Caí em descrença total, como uma louca em um canto de uma sala branca com minha camisa de força e meu olhar vazio. Em pane com tantas perguntas que jamais seriam respondidas eu travei.E quem haveria de registrar em papel cada palavra de amor dita numa madrugada? E quem haveria de pensar que um dia se precisaria de provas. Provas de quê, que crime é esse que me leva a alegria numa aparência de torpor perpétuo? Gelei. E como em todo torpor meu corpo caiu. Obrigada a me abraçar por causa da minha camisa de força enquanto perguntas, agora menos frequentes, me faziam ter por parte ódio dele. No fim era só um corpo branco, de olhar vazio que lacrimejava com lapsos de boas memórias, e de uma mente que estava perdida em qualquer lugar. Um quadro mais que insano

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Ela


Ela acorda todas as manhãs e sem levantar olha pro espelho da porta de seu guarda roupa esperando escolher a melhor cara com a qual se levantar.
Ela não quer saber o que a aguarda hoje no mundo lá fora. A única cosia que ela pensa é nos dias felizes que virão quando seus maiores sonhos se realizarem, só aí sim ela se levanta com seu melhor sorriso.
Ela se arruma demorando certas vezes na escolha de sua roupa, ou conferindo os materias na sua bolsa. Pronta, ela beija a foto de um menino que fica debaixo de seu travesseiro como se beijasse seu próprio marido antes de sair de casa. Ela às vezes espera que sua mãe se ofereça pra levar-lhe na metade do caminho num dia chuvoso ou não. Ela pensa que assim ela pode saber as novidades da família ou até mesmo do mundo numa conversa dentro do carro, mas ela sabe que às vezes isso vai estragar o comecinho do seu dia com alguma discussão. Às vezes ele gosta de acordar e ir cedo só pelo fato de saber que deve ser cada dia mais independente se quiser voltar pra casa.
Ela espera o ônibus pra ir pra faculdade ansiosa pra ir sentada e sem companhias desagradáveis. Ela gosta de estar só com sua mesma paisagem e o ar frio da manhã.Ela chega na faculdade pensando em todos os sorrisos que dará ao decorrer do dia e nas tantas coisas que tem pra fazer. Ela sente saudade do tempo da infância mas às vezes se pergunta se se adaptaria a voltar a ter tempo demais e coisas de menos. Ela considera a Biblioteca, ainda que com livros defasados e regras absurdas, um dos lugares mais incríveis do mundo. No retorno ela pensa em sonhos bobos, como andar um dia no meio de um grande jardim, ou acordar e olhar pro lado pra um não-anjo, não deus que cheira a conforto e carinho. Ela volta, sempre cansada demais pros outros, ou sempre esperando demais de poucos. Ela tem dificuldade pra dormir desde que abandonou sua cama de verdade, e pensa em fugir todas as noites, de formas quixotescas. No auge de seu desespero mudo, dormir é seu maior alívio e melhor que isso, ela pensa em um milésimo de segundo antes de entrar em coma, se não fosse por falta de coragem, seria somente a morte.


P.S: 19/12/2009

Aliás isso me lembra "The original fire has died and gone But the riot inside moves on (8)"

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Último discurso inútil

Ponho-me hoje a escrever meu último discurso inútil aos reles humanos que ainda insistem em não se calar ou se dar ao luxo de medir suas palavras.
Vou começar com a antiga redundância da expressão minha vida pessoal, onde nela todas as coisas só eu sei e, ainda que uma delas me escapasse, só eu saberia o motivo e a versão da história completa. Ou pelo menos é assim que quero acreditar.

De toda a minha vida pessoal desde os anos mais inocentes até estes anos mais cansativos onde eu luto para não cair na rotina robotizada do nosso novo mundo, gosto de ser meu autor onisciente.
Sendo assim, todas as histórias desde meu suspiro apaixonado aos meus choros mais calados só eu sei o que passei. Por mais que alguém diga que sabe o que são as dores e as felicidades de estar com a família em problemas ou em alegrias, pra mim são só palavras porque os sentimentos só eu senti.
Situações parecidas não são as mesmas situações.
Minhas lágrimas caíram sozinhas ainda que eu tenha tido sorrisos compartilhados.
Egoísta? Humm... territorialista. Minha vida, meu espaço.
Um autor onisciente sabe, ou pensa que sabe, de seu roteiro de suas escolhas das reações da maior parte do público. Ele não precisa de conselhos falhos, discursos hipócritas e da farsa dos sentimentos compartilhados de críticos que usam disso para se sentirem melhores e existentes, quando na verdade têm a inútil função de aborrecer e serem ignorados pelo autor.
E porque fazem isso? Não sabem ao menos escrever a história de suas próprias vidas ou ver o que há de interessante nelas, não se matando pelo simples fato de saberem que nem ao menos sua carta suicida seria bem feita.
Em nome dos autores digo que cuidem de suas medíocres vidas. Engulam seus livros de auto-ajuda, guardem seus discursos religiosos cheios de hipocrisia, e sobrevivam da venda de seus valiosos conselhos. Por fim deixo meu pedido mais singelo que costurem suas bocas com a linha do bom senso em nome da paz e dos bons costumes.

Dedicado aos bons expressivos que encontrei na vida, não por serem realmente bons, mas por se salvarem da mediocridade geral. Por escreverem textos, ou usarem de qualquer outro talento para expressarem sentimentos onde outras pessoas sofram catarse espôntanea e fortuita. Um grande beijo.

domingo, 28 de março de 2010

O Pulso ainda Pulsa


Hoje não é um dia de torpor.
Muito pelo contrário hoje o pulso pulsa com todo seu vigor. Sempre gostei dessa letra do titãs que faz sua sonoridade parecer com o fluxo sanguíneo.
O pulso ainda pulsa...
Meu pulso pulsa...
O pulso pulsa.
E como reerguendo das cinzas a fênix renasce com seu brilho e esplendor.
É como se você estivesse por um minuto eterno imerso numa água gelada de uma banheira que cobre por inteiro seu corpo, você está entrando em estado de inconsciência e pode até sentir o cheiro doce das flores que vem do hálito da morte, a qual susurra carinhos em seu ouvido. E como um último impulso de sobrevivência você se ergue, tomado por uma força que só se definiria por um instinto de sobreviver herdado de seus mais antigos ancestrais, com o mesmo fulgor selvagem.
E agora tomado por este fulgor é como se seu sangue fosse puro coquetel molotov, fervilhando dentro de seu corpo, e seu coração parece nem estar cabendo mais dentro de ti.
Tudo pelo que você lutou pra esconder, todos os segredos que você guardou, desde os choros engolidos até os gestos carinhosos mais contidos agora tomaram o poder de você. Eles desejam se libertar. E num choro desesperado o medo se acomoda. Foi tudo feito pra ter menos dor, a libertação não vai resolver as coisas, mas o pulso é mais forte e a loucura se apossa de você. A vontade de gritar está quase te sufocando e em pensamentos desvairados você quer fugir, pra poder gritar em meio ao vão. Mas seu coração, dessa vez ao menos é mais sábio e num breve momento de calma você se dá conta disso. Mesmo em sussurros, depois de tanto tempo ele precisa ser ouvido e fugir não adiantaria, afinal você fugiu esse tempo todo. Se escondeu atrás das linguagens ambíguas, dos gestos que você queria que parecessem iguais aos outros, dos olhares que você quis disfarçar, dos pensamentos que você tentou afastar...
O "não adiantou" é totalmente frustrante. Mas a dor acumulada é maior. Era um ritual de autoflagelamento com uma fidelidade quase religiosa. Conter todo um amor, medir as palavras e os carinhos, aceitar as repreensões e o pior de todos: simular um sorriso, exigia de ti um amor e disciplina sobrehumanos, que você cumpria mesmo quando sabia que era falho.
Você daria tudo por um abraço agora, mas lembra que o que te fez se esconder foi justamente saber que está sozinha, e que os outros nunca entenderam mesmo quando você tentou, e como tentou... Você deita cansada das lágrimas, se sentindo aliviada por ter um pulso que ainda pulsa mesmo com um coração ainda acorrentado. Agora ele está mais calmo ou talvez mais fraco, ouvindo você suplicar a si mesma que não faças mais isso.