domingo, 23 de maio de 2010

Cansou


Nasceu, sentou, andou, correu, envergou e cansou...
Sentou-se no banco da praça na beira da praia, fechou os olhos e deixou as lembranças lhe tomarem.
Pensou em todas as preocupações que carregava e das quais foi desistindo ao longo do caminho.
Lembrou das besteiras que falava, do jeito como gritava e das mentiras furiosas e verdades dolorosas que proferia.
Riu sozinho. Tinha coisas boas pra lembrar, histórias mil pra contar.
Não chorou, mas fechou a boca em uma linha como se confirmasse experiências sofridas mas necessárias para seu crescimento.
Uma parte de si lamentou. Como podia tudo ter passado tão rápido.
Outra parte de si se regozijou, tinha feito o que lhe parecia correto. Tinha acertado, tinha errado, tinha aprendido ou não.
Nada ia mudar agora.
Estava cansado.
Cansado demais para reinvindicar, lutar, reclamar e chorar. Só tinha forças pra sentar no banco da praça e se lembrar do que um dia teriam sido os verbos amar, saudar, sofrer e caminhar.
Não estava alegre ou triste.
Era como se tivesse parado no tempo pra observar os outros ou ele mesmo.
Se sentia apenas um velho, com pena dos que alma velha têm sem nem tentar viver.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Amor [2] - um quadro perfeito.

Ela acordou feliz. Tinha sonhado com ele, além disso era sábado, o dia tão esperado. Foi quando ela viu o computador e o celular descarregado e se sentiu muito culpada. Imaginou se ele teria ligado muitas vezes, ou esperado muito tempo no msn. E correu para o telefone fixo. Esperava realmente que ele não atendesse tão irritado e aceita-se suas sinceras desculpas.
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Acordou com o barulho do telefone. Estava irritado. Estava sonhando aqueles sonhos dos quais não gostaria de acordar nunca e mesmo assim atendeu, porque podia ser ela. Ouviu suas desculpas cheias de amor, contou sobre o dia anterior e perguntou sobre a tal surpresa tão esperada do dia. Deu aquela risada gostosa que ela adorava ouvir e foi sorrindo tomar seu banho com a preguiça da manhã, cantarolando como no dia anterior.

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Desligou o telefone, e pulava de alegria. Pôs uma música no computador e foi arrumar a casa, numa felicidade que encantava quem a avistasse pela janela. Organizou as telas as tintas e os pincéis na sala. Saiu pra comprar comida e outras necessidades da casa. Voltou ,olhou o relógio e comeu apressadamente, pois ele ia chegar e ela precisava tomar banho e conferir se tudo estava perfeito de novo, paranóia de mulher.

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Terminou o banho feliz. Se vestiu com uma roupa qualquer e foi almoçar. Satisfeito com o resto do dia que o esperava decidiu se trocar. Foi pro guarda-roupa e vestiu a camisa azul preferida de ambos. Escolheu uma bermuda de cor clara pra combinar, e foi se olhar no espelho. Se perfumou, passou um gel, conferiu no espelho de novo e saiu. Pegou um táxi e perguntou-se se estaria parecendo um feliz abobalhado. Tentava imaginar as surpresas e se perguntava também se algum dia teria sido tão feliz. Parou na floricultura pra levar-lhe flores, imaginando seu sorriso e como ela o elogiava por isso. Estava ansioso.

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Saiu e pegou o relógio. Torceu para que ele se atrasasse e foi escolher uma roupa, imaginando como era difícil escolher uma roupa que não a deixasse bonita demais para estar em casa.Demorou mas acabou optando por um vestido. Era leve, colorido e acentuava suas curvas de modo sutil. Foi conferir tudo de novo. Voltou ao quarto para se perfumar. Olhava-se no espelho fazendo mil penteados diferentes, todos ruins. Imaginava que gostaria de ser tranquila como ele aparentava. Ouviu um barulho de carro estacionando e uma porta batendo. Se olhou no espelho, soltou o cabelo e foi correndo até ele.

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Desceu do táxi, pagou o motorista e quando menos esperava viu-a se jogar em seus braços. Soltou aquela risada estrambólica e encheu-a de beijos entregando as margaridas. Se sentia realmente importante e invejado com todos aqueles olhares curiosos da rua. Era definitivamente um homem feliz.

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Agora sim estava radiante. Levou-o até a porta e pediu que esperasse. Foi buscar uma venda já que ele era bem maior que ela e ela não ia conseguir vendar seus olhos com as próprias mãos e aproveitou pra pôr as flores na mesa de centro. Vendou-o e o fez entrar. Sentou-o no sofá de frente pros materiais de pintura.

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Ele estava curioso.Vendado tentou adivinhar algo pelo cheiro do ar, mas como era tudo desconhecido ali procurou relaxar. Sentou-se no sofá e ao abrir novamente os olhos se deparou com materiais de pintura. Ficou mais curioso ainda e com seu bom humor disse: "- Essa é a parte que você tira a roupa e eu te desenho de dois ângulos diferentes?"

Ela riu e respondeu:
"-Não seu bobo. É que eu pensei, como somos amantes da pintura, nada melhor que cada um ganhar um quadro feito do outro. Você não precisa me desenhar, nem me agradar é só pintar."

Ela dividiu os materiais e foi pro outro lado da sala começar sua obra.Iniciou sua pintura de pronto. Como a idéia tinha sido dela é óbvio que ela já tinha pensado no que fazer. Usava todas as cores tentando não ser perfeccionista demais dessa vez.

Ele ficou pensativo. Desfrutava de um vórtex de lembranças em sua mente, com os mais variados sentimentos. Os sonhos, os beijos, os carinhos, os gostos dela... dominavam sua mente. Acabou por usar só a tinta preta.


Demoraram horas. Mas terminaram praticamente juntos.

Ela mostrou sua obra primeiro. Era um casal de velhinhos vistos de uma janela.Eles estavam de mãos dadas e sentavam perto de umas flores, na varanda de uma casa de madeira, vendo um pôr-do-sol no mar. Ela chamou o quadro de futuro.

Ele sorriu e disse:
"- Incrivelmente você continua desenhando e pintando melhor que eu e meus bonequinhos de palitos."

Ela riu e pediu pra ver o quadro dele. Ele colocou na mesa de centro ao lado das flores que havia dado. Era todo preto, a não ser por uma porta branca que se sobressaltava no meio da pintura.

Ela sentou no colo dele e disse:
"-Me sinto... Ahnnn... Quadrada."

Ele beijou sua cabeça carinhosamente e disse:
"-Boba. Antes de te conhecer, passei por muitas decepções. Cheguei a acreditar que estava desgraçado a ter uma vida de coração destroçado. Por mais que eu me encantasse, quanto eu mais parecia estar perto de ser feliz eu voltava a escuridão. Cheguei a ter até mesmo dias de insônia em que procurava a claridade da lua para que não me sentisse tão só e infeliz. Quando você apareceu me enchi de expectativas e medo. Desejaria a morte do que estar tão perto de ser feliz e cair como Ícaro de novo. Estava cansado. Você pra mim é tudo que está por trás daquela porta, atrás da escuridão. Me pergunto sempre se já fui tão feliz quanto quando estou com você. Me pergunto se suportarei voltar à escuridão de novo."

Ela estava com os olhos cheios d'água e o almadiçoou por ainda ser melhor com as palavras do que ela, enchendo-o de beijos em seguida. Foi o primeiro dia em que eles se pertenceram de corpo e alma. Foi o primeiro dia em que as cores se misturaram de verdade, a alegria radiante dela penetrou na alma dele assim como o preto e branco clássico dele faziam agora parte essencial dela.

E isso era o que as pessoas desde tempos imemoriais chamavam de Amor.

terça-feira, 4 de maio de 2010

O Amor [1]

Eram aquelas sextas-feiras em que você fica ansioso para que cheguem logo, mas que quando chegam parecem o dia de Murphy. Ele tinha vontade de explodir a professora e mais da metade da sala, e achava que ninguém no mundo estaria naquela hora com mais ódio no coração que ele. Estava realmente exausto, mas sabia que era só uma questão de chegar em casa, jogar os livros, tomar um banho, comer os amendoins que eram a cara dela para enfim ligá-la.

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Ela estava realmente feliz. Não que as coisas estivessem perfeitas para que ela assim estivesse, mas era como a mãe dela dizia: "Você nasceu meio-dia menina. Quando o sol estava no ponto mais alto do céu, e assim como ele você tem um brilho que só ele tem." Ela era assim, carregava um brilho uma vontade de viver que só o sol explicaria. Desfrutava de um cansaço feliz ao caminhar de volta para casa com duas telas e uma sacola com bisnagas, tintas e pincéis.
Caminhava para casa usando sempre o mesmo caminho para poder ver um jardim de girassóis que eram a cara dele, ou melhor, o sorriso dele.

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Chegou em casa, jogou os livros, tirou a roupa e foi pro banheiro numa pressa de homem. Cantarolava como o famoso filme do homem cantando na chuva. Se acalmou, era capaz de esboçar um sorriso agora. Ligou o computador pensando se ela estaria on naquela hora, e foi pra cozinha preparar algo pra comer. Pensava que há uns meses atrás ele estaria bem mais nervoso. Como no dia em que a conheceu.
Estava realmente nervoso, suas mãos suavam e sentia um frio no estômago absurdo, não que ele não gostasse daquilo mas é que era orgulhoso demais para deixar que ela percebesse. Ela era bela. Tinha um corpo de violino, quadris largos, cintura fina e seios pequenos proporcionais ao seu tamanho.Combinaram de se ver à beira-mar, nada demais uma caminhada, um sorvete e uma boa conversa. Seu cabelo comprido esvoaçava no vento, quando ele a viu. Ela estava de olhos fechados, inspirando fundo o que de lembrar provoca nele profundos sorrisos.

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Enquanto ela admirava os belos girassóis começou a ventar. Ela fechou os olhos pra inspirar profundamente, era algo que fazia desde criança por ter morado perto dos campos onde o ar era puro de verdade. Além disso ela lembrava dele. Da primeira vez que o encontrou ele a olhava com curiosidade, como ela já sabia que faria. "Maldito observador, não sou seu rato de laboratório.", ela dizia. Não era o homem mais belo do mundo, mas seu sorriso compensava. Era alto, com bom porte físico e usava cores claras que combinavam com o tom de sua pele. Foi um belo encontro. Quando os dois põem-se a se lembrar, ele diz orgulhosamente que ela estava inspirando fundo pra se livrar do nervosismo que ele causava. Já ela ri, e diz que pelo atraso dele, o maldito observador estava tão nervoso que demorou meia hora pra criar coragem e ir falar com a mulher que invadiria seus pensamentos e todas as outras partes de seu corpo.

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Levou a comida para a frente do computador. Ela não estava on, resolveu deixar status ausente para evitar conversas vazias. Pegou o telefone e foi ligar pra ela. Ela não estava em casa. Pensou onde ela estaria àquela hora e foi ligar pro celular. Estava desligado. Ficou frustrado e irritado, como sempre. Resolveu ajeitar algumas coisas e esperar.

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Chegou em casa ofegante e um pouco molhada da chuva, da qual corria para não molhar seus materiais. Ainda assim sorria. Deixou as coisas na mesa e as telas para secar para a surpresa do dia seguinte. Foi tomar um banho com a preguiça de uma mulher, colocando antes uma música para tocar. Se arrumou com sua camisola confortável, comeu alguma coisa enquanto ligava o computador e organizava seus materiais de faculdade. Olhou para a sua cama e não resistiu, resolveu deitar e cheirar o Snoopy que tinha o perfume dele. Fechou os olhos pra imaginar melhor e acabou por pegar no sono, esquecendo do computador ligado, do celular descarregado e de todo o trabalho sempre acumulado.

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Cansou. Ligou mais vezes pra ela, esperou o tempo todo na internet e ela não apareceu. Se perguntou seriamente o que teria acontecido. No auge do cansaço acabou por dormir irritado, pensando na tal surpresa da qual ela falava pro dia seguinte. Esperava ao menos sonhar que seus cheiros um dia estariam na mesma cama.

sábado, 1 de maio de 2010

Insanidade

No começo você era meio semiótica.
Após algumas observações você se tornou uma obra peculiar, como os girassóis de Van Gogh.
Com as catarses foi tornando-se química. Os meus neurônios sentindo boas sensações por sinapses químicas, que meu encéfalo desejava ser intermináveis utilizando-se da minha memória nas noites, para que tal êxtase se repetisse.
Sem a física você passou a ser fisiologia. Meu coração palpitava só de te ver, antes disso era acometida de crises de ansiedade. Era uma alegria de um nervoso incontrolável. Com certas lembranças podia sentir até mesmo meu rosto se ruborizar, ou um sorriso sem graça se formar, além dos suspiros que vivia a soltar.
Consegui que me visse como fisiologia e química também com um desejo físico quase incontrolável.
Meu vício aumentou. Eram dias seguidos, esforços imensos para provar dessas doses, não necessariamente em doses maiores, mas em doses homeopáticas para toda a vida.
Mas foi aí que você encontrou uma nova droga.

E eu me tornei insanidade. Meu nervosismo agora é constante intercalado por períodos de frieza. Tenho surtos de ansiedade e tornados de pensamentos. Uma crise de abstinência absurda, com desejos paradoxais devido a um conflito da existência do outro em mim. Milhares de perguntas sobre meus sentidos, não consigo confiar em minha própria memória, se os meus olhos realmente tinham visto aquele belo oásis se é que aquilo era mesmo um Oásis. Me iludi sozinha? Ouvi mesmo só o que queria? O que há de errado, está errado em mim ou no outro? Adianta saber?

E como uma flecha inesperada atingindo o coração eu parei.. Caí em descrença total, como uma louca em um canto de uma sala branca com minha camisa de força e meu olhar vazio. Em pane com tantas perguntas que jamais seriam respondidas eu travei.E quem haveria de registrar em papel cada palavra de amor dita numa madrugada? E quem haveria de pensar que um dia se precisaria de provas. Provas de quê, que crime é esse que me leva a alegria numa aparência de torpor perpétuo? Gelei. E como em todo torpor meu corpo caiu. Obrigada a me abraçar por causa da minha camisa de força enquanto perguntas, agora menos frequentes, me faziam ter por parte ódio dele. No fim era só um corpo branco, de olhar vazio que lacrimejava com lapsos de boas memórias, e de uma mente que estava perdida em qualquer lugar. Um quadro mais que insano