segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Sobre a solidão

Pensei em escrever esse texto em parceria. Mas a idéia de um solo me foi mais fiel e agradável.
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Um dos maiores, talvez o maior enigma do universo, seja o surgimento da vida. Um corpo não existe antes de uma forma pré-existente. Das esponjas que brotam umas em cima das outras, das bactérias que se dividem em duas, dos seres que se reproduzem sexuadamente ou até mesmo da parternogênese dos zangões todos necessitaram de pedaços de outro ser. Fico imaginando se é essa a raiz da solidão, a necessidade de ter sempre um outro que justifique a nossa existência.
Não que todos os seres vivos que habitem juntos em corais, colônias ou outros aglomerados tenham a consciência do que é estar só, e reajam a isso. A solidão como a reação angustiante de estar longe ou ser incompatível com outros seres, só aparece nos vertebrados, como um paradoxo evolutivo. No caminhar da evolução dos peixes aos mamíferos, somente estes tem realmente a consciência da solidão, desfrutando da inteligência com a aquisição da consciência assim como do mal da solidão, duas coisas que aumentam numa escala dos cachorros aos homens.
Tragicômico.
Quanto mais desenvolvidos e inteligentes mais narcísicos e sofredores. Não digo isso apenas no sentido evolutivo entre diferentes espécies digo na própria espécie mesmo, porque aqueles que se arriscam a pensar e a buscar um sentido que não seja a ideologia das massas, são os únicos que sofrem por ter consciência. O resto pode viver muito bem das conveniências, das alienações, da mediocridade e conformismo. É como se as massas se contagiassem com a cegueira branca de Saramago e simplismente não se importassem, enquanto uma minoria é representada pela mulher do médico que vendo é a única que tem a real consciência do caos que a cidade e a vida dos cegos se tornou com o mal branco.
Descrevendo deste modo há quem pense onde estaria a solidão se o mundo se divide em dois grupos, e estar em grupo é estar junto.
Continuem com a metáfora dos cegos de Saramago. O primeiro grupo, das massas, caminham em toda a cidade em busca de comida se segurando uns aos braços dos outros numa espécie de fila indiana. Eles são dependentes e isso os faz crer que não estão sós. Se preferir imagine uma fila de aleijados que usam uns aos outros como muletas. É exatamente como a maioria funciona. Se apegam a relacionamentos fracassados, mantém famílias usando os filhos como desculpa quando têm medo de estar só. Se agarram a deuses e crenças na busca de preencher o vazio alegando que deus está em seu coração, quando muitas vezes se ajoelham chorando não na busca de suas preces serem ouvidas mas no desespero de que exista um ser superior algo que explique tudo isso. E às vezes ela encontram. Não um Deus, mas uma fé profunda e cega que acalma qualquer busca de conhecimento que o liberte desta calmaria.
O outro grupo não chega a ser um cardume como o restante da população. São pessoas que por verem, no sentido de visão absoluta, acabam se afastando das demais por se recusar a pertencer a uma massa de alienação. Formam grupos menores, mas não chegam a saciar completamente a sensação de solidão que encontram ao se dar conta de que o nascimento e a morte são atos solitários, monólogos vez ou outra interrompidos por duetos ou peças inteiras que darão pequenas doses de prazer, assim como alguns efeitos de luz e cenário. É talvez como olhar a beira de uma praia deserta, vez ou outra aparece um visitante pra ilustrar a paisagem, você pode chamar uns poucos amigos ou até trazer sua família para vê-la, mas a maior parte do tempo é um solo. Você e a profundidade da paisagem.
Maior que essa visão só olhando para um céu de interior, onde não há poluição e se pode ver as milhares de estrelas no céu e deixar sua mente se levar pelo êxtase da grandiosidade desse imenso universo.
Não há como não se sentir só.
E não adiantaria alegar vida extraterrena para se sentir acompanhado, ou usar drogas e álcool para ignorar o vazio que a sua mente ousa questionar. Porque nós sabemos que a solidão é um fato, não uma questão de escolha como muitos dizem. Podemos controlar a duração da peça encurtando-a, mas jamais saberemos quanto durarão os solos.

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Me disseram que solidão é uma lição da vida que uns aprendem melhor que os outros.
Pra mim é somente um aprendizado que jamais aprenderemos.

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No meio da peça nosso monólogo sempre se transformará num dueto ou musical inteiro ao qual a gente se apegará, é o "ser alguém pra alguém", e depois disso jamais nos contentaremos a ser ninguém de novo.