quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Memórias de fim de ano


E depois de 20 anos quem diria que eu estaria sentada do lado do Grinch odiando o Natal.

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Morávamos num sítio bem longe da cidade.
Nosso terreno era fruto da colonização japonesa do pós-guerra. Meu avô tinha sobrevivido a 2 guerra mundial e minha vó tinha vindo com ele grávida de meu pai para o que chamavam de um lugar melhor pra viver.
Nossa casa foi construída pelo meu avô materno que era também pedreiro além de tantas coisas que já foi na vida. Era de alvenaria e ficava em frente a casa de meu avô paterno de modo que o caminho se bifurcava entre as duas casa formando um T, onde a minha casa era a da direita.

Era engraçado como aquele simples caminho que se seguido como uma linha imaginária, dividia duas casas tão diferentes.

Mesmo minha mãe sendo brasileira fomos criados numa educação oriental, valorizando a honra do nome da família. Mas quando chegava o Natal, a diferença entre as duas etnias eram gritantes.
Minha mãe sempre preservou a união e o amor entre a família. O Natal naquela época era realmente o que se chamava de Natal, podia-se se sentir no cheiro do ar, no clima da casa, nos olhares. Posso até suspirar com as lembranças. Não éramos uma família rica, mas também nunca passamos fome. Tínhamos nossas dificuldades, e nós filhos nunca questionamos a falta de um papai noel ou de um presente de verdade. Acordávamos cedo no dia 5 de dezembro ainda que fosse chuvoso. Nos vestíamos e tomado café-da-manhã ou não saíamos em busca da nossa árvore, que consistia de uma árvore de galhos secos, já morta, porém com os galos ainda firmes, que seria fincada na terra dentro de uma lata de tinta grande, daquelas Suvinil. Depois de montada posávamos para uma foto na frente da ávore pronta, já que cada ano era uma e única.
Colocávamos as poucas bolinhas e enfeites que tínhamos, muito algodão pra representar a neve além de presentes falsos, caixas de leite e outras embalagens embrulhadas com papéis coloridos.
O resto da decoração da casa era feito com desenhos copiados de revistas que nós mesmo pintávamos e colávamos nos móveis que circundavam a enorme janela da sala. Pra ter noção as cômodas debaixo podiam servir de palco pra enorme janela e sua cortina, enquanto duas colunas se erguiam na lateral da janela e se uniam por uma prateleira logo acima da janela, como se os móveis fossem a moldura da paisagem que a janela apresentava.
Arrumávamos a mesa com melhor toalha e também colocávamos os melhores pratos e talhares todos com uma história de presente de casamento. Usávamos até as taças que eram as meninas dos olhos da mamãe, as de cristal principalmente, que gostávamos de esfregar os dedos na borda pra fazer aquele som agudo. Tomávamos banho vestíamos nossa melhor roupa e ajudávamos mamãe servir o enorme banquete que ela sempre fazia. Agradecíamos a comida e desejávamos coisas boas a nossos parentes que não estavam presentes, a meu pai principalmente. Éramos quem sabe as sete pessoas mais felizes do mundo.

Quando meu tio, irmão mais velho de meu pai casou com uma cearense lá de Crato, as coisas mudaram um pouco. Eles foram morar na casa de meu avô, em frente a nossa e depois de um tempo passamos a comemorar o Natal todos juntos, toda a parte da família japonesa na casa em que viveu meu falecido avô. Ao todo eram quatro famílias. Minha tia que se chama Norma, foi incorporando detalhes ocidentais àquela casa da frente. Depois de um tempo as decoração de Natal foram melhorando nas duas casas, compramos nossa árvore de Natal e em cada porta da casa haviam enfeites nos batentes. Passamos a montar churrascos e a mesa de ping-pong e jogávamos até altas horas, bebendo refrigerante e conversando. Quando alguém ganhava um novo console ou novos jogos nós jogávamos antes e depois de comer até que meus tios viessem e levassem praticamente obrigados, meus primos. E quando não tinha video-game ou ping-pong nos contentávamos em estourar latas e outras coisas com as bombas que comprávamos na casa de fogos. Em um dos melhores Natais minha tia inventou de jogar bingo valendo prêmios, no qual ganhei uma fita de video-game, e um luzmania (chaveiro que vinha com chicletes e brilhava no escuro).
Meu melhor último Natal foi um pouco antes de nos mudarmos pra cidade. Creio que tinha 12 anos e meu pai e meu irmão mais velho tinham acabado de chegar do Japão. Recebemos presentes, e todas as manhãs era chuvosas e lindas. Ouvíamos os cds de rock do meu irmão mais velho, e jogávamos PS2 e assim foi o mês inteiro. Meu primo e a família dele dormiam na casa da frente que há um tempo havia sido abandonada, de todos fomos os últimos a ir morar na cidade. A nossa casa sempre cheia de toda a família que vinha vê-los, costume quando alguém chegava do Japão. Um dos meus primos chegou a dormir um tempo com a gente lá, posso lembrar deles fazendo montinho no meu irmão mais velho numa manhã. Dias inquestionavelmente felizes. Havia muito tempo a família, não estava tão reunida. O Natal foi no mesmo estilo dos outros, churrasco com comida japonesa e a tia Norma convidou até a família de um vizinho da nova casa na cidade. Lembro-me bem do meu tio, o irmão mais velho de meu pai, apelando no tênis de mesa e tirando todo mundo até cansar e passar a raquete pra alguém. Meus outros tios conversavam nas cadeiras de balanço que outrora foram usadas pelos meus falecidos avós. Meu pai um pouco sem jeito pelo grande tempo que passou ausente ainda pedia que eu sentasse em seu colo, enquanto eu achava que já era grande demais pra essas coisas. Viramos a noite soltamos fogos e todos foram embora na medida em que se cansavam. Aquela também foi a época do melhor ano novo da minha vida. Pra quem antes soltava alguns rojões meu irmão mais velho, o mesmo que saía pra cortar a árvore de natal no meio do mato, comprou os fogos mais bonitos da loja, além das bombinhas convencionais. Quando deu meia-noite todos se abraçaram brindaram e correram pra área limpa que havia na frente da varanda, perto de uma enorme seringueira. Os mais velhos se sentaram na mureta da varanda enquanto os mais novos se preparavam para soltar os primeiros fogos coloridos vistos ao vivo e só pra gente. Tenho certeza que todos guardam nas memórias não só a imagem daqueles lindos fogos, mas todo o sentimento de felicidade paz e amor de toda uma família reunida num simples fim de ano.

Aquela foi a última vez que vi meu pai e meu irmão William.
Já se passaram oito anos.
Os brasileiros começaram a habitar a antes famosa colônia dos japoneses. A família Kawada foi assaltada perto dessa linda época que descrevo acima. O trauma os fez vender uma das casas mais bonitas da colônia e se mudarem para uma bem menor na cidade, onde mal cabia seu piano.
Antes disso um carro roubado foi queimado na estrada que entrava pro portão de nossa casa.
O portão foi pôsto tem pouco. Depois da minha família ser roubada duas vezes, e de termos sofrido assalto em uma de nossas férias.
Pegamos desgosto de nossa terra e nos mudamos pra cidade. Os cachorros não sabemos se sobreviveram e fugiram ou faleceram de solidão. Uma das coisas que mais doeu foi ver alguns deles correr atrás do carro desesperadamente, incansavelmente.
Nenhum caseiro aguentou cuidar de lá por muito tempo. Alegavam medo e solidão.
Nunca mais conseguimos reunir a família daquele jeito.
As crianças cresceram foram fazer faculdade fora, trabalhar, iniciar a construção de uma família.
Os mais velhos ,provavelmente, bebem e comem num gesto mais simbólico do que comemorativo enquanto contam histórias dos filhos e netos ausentes.
Eu, a boba da família, tenho passado o natal em casas estranhas e no fim choro as lágrimas de saudade dos tempos antigos esperando passar pra minha família que há de vir, a felicidade de um fim de ano com todo mundo reunido.

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