quarta-feira, 30 de março de 2011

Adieu

Ninguém nunca sabe como começar a introdução a um Adeus.

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Fria.
Talvez mais que a chuva que caía lá fora.
Pensou em escrever uma carta de despedidas, abandonar a casa, arrumar as malas e ir embora como sempre fazia. Nesta manhã porém, acordou devagar e observou cada centímetro do que chamava de "A little piece of heaven". Cortinas, os entalhes dos móveis, a pintura da parede, as frases preferidas rabiscadas nelas, o mensageiro dos ventos, tudo era tão perfeito e tão seu. Parecia que acordava pela primeira vez após o último retoque da obra-prima, quando na verdade já se passara 5 anos naquela cidade. Trazia na mala pouca bagagem e muita coragem. Aos poucos montou sua casa com a determinação de que não sairia mais dali, aguentaria, seria forte, ali seria sua fortaleza. Fugir não mais. Amar não mais, também fazia parte do plano.

1 ano e meio conheceu alguém, era Amor.
2 anos estava namorando.
1 mês ele já ocupava uma gaveta.
mais 5 e seu perfume estava na roupa de cama, na mesa de cabeceira surgiu um cinzeiro...

5 anos e aquilo já não parecia seu. 3 anos e meio e já não parecia Amor.

Levantou. Arrumou as malas, o que não coube enfiou em sacolas. Tentou encaixotar algumas coisas, mas a vontade mesmo era de jogar tudo fora. Terminou e pela primeira vez, em um dia de despedida adormeceu no travesseiro seco, e por uma exaustão apenas física.

Acordou, fez um café e sentou-se no sofá com biscoitos e seu notebook aberto. Há quanto tempo não fazia isso? Noite chuvosa. Esperaria ele chegar.

Madrugada, escutou os velhos passos que pretendia não ouvir nunca mais. Ficou ansiosa por breves segundos que se passaram com uma inspiração profunda, enquanto via a fechadura ser destrancada. Voltou seus olhos pra tela do computador.
A sala estava escura seu rosto se iluminava somente pela tela do aparelho, quando um vulto entrou na sala meio vacilante. Sexta-feira, happy-hour, bebidas, conversas, desculpas que ela não ia ouvir mais e ele sabia porque há dias tinha deixado de proferí-las.
Ele deu alguns passos, pra pôr as chaves no lugar, quando ela começou seu belo discurso de Adeus. Com total indiferença sem tirar os olhos da tela, só falava.

-Não se mexa. Não pra pôr essas chaves aí. Você pode guardá-las no seu bolso.

Ele só não ficou mais assustado pela dormência da bebida. Aquela não parecia a mulher doce e sofrida que deixava brava e magoada todas as sextas pra se redimir com amor no sábado. Essa era fria e determinada. E antes que ele pudesse tecer qualquer comentário ela voltou a falar.

-Não que as chaves serão úteis, mas algumas coisas inevitavelmente terão de mudar, não vou olhar pras minhas chaves e lembrar de você.

Ele ia se aproximar quando ela disse:

-Não se aproxime de mim. Não vá molhar esse tapete que não é você quem vai enxugar. Aliás vou pedir pra você secar o chão quando for embora. Estou cansada. Passei o dia a arrumar suas malas encaixotar algumas de suas coisas, as que não couberam enfiei em sacolas. Espero que não se importe.

Ele estava paralisado. O efeito da bebida parecia passar a medida que ela falava, quando ao mesmo tempo ele se sentia num sonho impossível. Mas não era.

-Sei que está chovendo lá fora, mas já arrumei tudo então vou pedir pra você ir embora agora. É bom que assim a chuva apaga suas pegadas, você esquece que um dia veio aqui e eu esqueço que deixei alguém entrar aqui. Tenho certeza que não esqueci de nada, mas se tiver esquecido você pode revirar na minha lixeira depois, a que fica lá fora claro.
Ele só conseguiu se mover pro lado onde estavam malas e caixas e algumas sacolas.
Ela suspirou.

-Adie mon... Hum. Você nunca foi meu na verdade. Nunca fez parte disso aqui.Veio com pouca bagagem e fez um estrago enorme. Se fosse meu te jogava como alguém que enjoa de um brinquedo, seria mais fácil. Não não, não é o que estou fazendo. Você vai embora e eu queria pedir pra ir de uma vez, levar seu cheiro das minhas roupas de cama, das minhas cortinas, dos meus móveis. Levar seus barulhos e manias. Levar até suas lembranças em mim. Pediria a você: "Leve também metade da minha alma e pedaços do meu coração se lhe é preciso que vá embora. Não leve-o todo tenho certeza que há partes nele que não são suas. O que sobrar pode pôr num vidro, pra flores que você nunca me deu e ponha whisky ao invés de água. Não o que eu te dei aquele você leva, mas um melhor que comprei pra essa despedida. Quem sabe com uma bebida quente meu coração não sinta um pouco de calor, um pouco da vida que quando você veio me roubou."

Adieu.

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